CARTA DAS EDITORAS CONVIDADAS
Juliana Nunes Rodrigues (POSGEO-UFF) e Roberta Rodrigues Marques da Silva (PPGCP-UNIRIO)
Este número da Desenvolvimento em Debate (INCT-PPED) apresenta o dossiê temático Desigualdades e Desenvolvimento. O tema do desenvolvimento tem ocupado o debate da grande área de Ciências Sociais no Brasil e na América Latina há quase um século, buscando elucidar trajetórias, estratégias e atores envolvidos na busca pela transformação produtiva, no sentido da industrialização e da geração de bem estar. No Brasil, desenvolvimento e desenvolvimentismo – a ideologia por trás do projeto (Fonseca, 2014) – foram buscados por diferentes governos durante regimes autoritários e democráticos, mas acabaram sendo duramente impactados pela emergência de um consenso neoliberal, que chegou tardiamente no país na década de 1990. Mesmo Ainda assim, no alvorecer do século XXI, o termo desenvolvimentismo ganhou novas roupagens, como “novo desenvolvimentismo” e “social desenvolvimentismo” (Bastos, 2012), quando governos da chamada “onda rosa” trouxeram ao poder governos de esquerda e centro-esquerda na região (Silva, 2018).
Em um contexto democrático, a inédita ascensão de governos progressistas trouxe para o centro das preocupações um dos principais problemas históricos das sociedades latino-americanas: o combate às desigualdades sociais, expressos em termos de classe, raça e gênero, mas também agudamente refletidos em termos territoriais. Esta agenda, porém, se viu afetada por interesses enraizados no jogo político – o “andar de cima” favorecido pelas desigualdades históricas –, bem como pelo contínuo espraiamento do neoliberalismo como ethos compartilhado na sociedade (Brown, 2019). A recessão democrática que varreu a onda rosa (Silva, 2018) e os profundos efeitos da pandemia da Covid-19, bem como o avanço global da inflação – com impacto mais profundo na América Latina – minaram os ganhos produzidos nos anos anteriores, e fizeram emergir, mais uma vez, a face perversa de sociedades profundamente desiguais.
Para as ciências sociais, democracia e desigualdades se tornam temas inescapáveis para o adequado tratamento da questão do desenvolvimento. Buscando contribuir para este debate, em perspectiva interdisciplinar, este dossiê reúne pesquisadores que abordam a questão das desigualdades e do desenvolvimento a partir da Geografia, da Economia, da Sociologia e da Ciência Política. Instituições e atores, permeados por ideias e interesses específicos, são mobilizados para explicar as trajetórias de desenvolvimento e o combate às desigualdades nas suas diferentes expressões.
“Às custas da classe média”? Uma análise sobre a redução da desigualdade no Brasil (2001-2015)
Igor Fois Abramof, Celia Lessa Kerstenetzky, Daniel Gonçalves Mano e Marcela Nogueira Ferrario
Resumo: Analisamos neste artigo a hipótese de que teria havido no Brasil, em paralelo ao processo de redução da desigualdade de renda observado no início do século XXI, o encolhimento da classe média, como sugere estudo de Morgan (2017), ao apontar o grupo intermediário de renda (os 40% do meio da distribuição) como os “perdedores” relativos do processo redistributivo verificado no país entre 2001 e 2015. Utilizamos as PNADs 2001-2015 e uma metodologia indutiva para identificação da classe média com o intuito de examinar as características socioeconômicas desse grupo intermediário e a sua dinâmica distributiva interna, e assim verificar se é pertinente sua classificação como “classe média” e se, de fato, o grupo poderia ser considerado um perdedor relativo desse processo. Nosso exame desse grupo não confirma a interpretação de classe média perdedora.
Palavras-chave: classe média; desigualdade de renda; redistribuição de renda; pobreza; mobilidade social.
Hidrelétricas Compensam? Uma análise do caso da UHE Irapé em Minas Gerais
Pedro de Carvalho Costa e Flávia Maria Galizoni
Resumo: Este artigo investiga os impactos socioeconômicos da UHE Irapé para os municípios atingidos no alto curso do rio Jequitinhonha, Minas Gerais. Obra que, mesmo após uma década de implantação, é associada à “redenção” de uma região considerada economicamente deprimida. Através de pesquisas documentais e entrevistas de campo, foram identificados, enquanto legados vivos, os repasses de Compensação Financeira e de ICMS cujos valores foram analisados tendo como baliza outras fontes de recursos, como o Fundo de Participação dos Municípios dentre outros. Concluiu-se que os legados financeiros da Usina foram relativamente baixos, perdendo significado no período analisado. Destaca-se que a Compensação Financeira teve aplicação pouco transparente, e não atende às demandas de comunidades rurais e povoados mais atingidos pela represa. Diante das consequências socioambientais e do custo empreendido na sua implantação, esses legados se mostraram insignificantes e não compensaram os prejuízos ocasionados, em contramão às narrativas da projeção de um desenvolvimento econômico local.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Jequitinhonha, UHE Irapé, Compensação Financeira, Comunidades Rurais.
Desenvolvimentismo no Nordeste: efeitos socioeconômicos das políticas públicas dos governos progressistas (2003-2016). Os casos do PAC e do PBF
Danielly Caroliny de Andrade Silva, João Policarpo Rodrigues Lima e Ana Monteiro Costa
Resumo: O artigo analisa os resultados econômicos e sociais do PAC e do PBF no Nordeste, bem como a relação entre o debate acadêmico acerca do desenvolvimentismo e a construção de políticas públicas dos governos progressistas no Brasil. Para tal, recupera a literatura sobre o desenvolvimentismo, bem como resgata a trajetória da economia do Nordeste nas décadas recentes. Busca apresentar a ação do Estado enquanto promotor do desenvolvimento nas dimensões social e econômica, através da análise da evolução de algumas variáveis selecionadas. Conclui-se que a melhoria nos indicadores econômicos e sociais no Nordeste tornou-se mais visível a partir dos governos progressistas, já que essa experiência desenvolvimentista mais recente incluiu políticas redistributivas, ao contrário daquela adotada no Brasil durante a substituição de importações. Entretanto, ressalta-se que a informalidade no mercado de trabalho, os baixos rendimentos mensais, e a desigualdade persistiram como problemas enfrentados na região.
Palavras Chave: Desenvolvimentismo; Desenvolvimento Nordestino; Programa de Aceleração do Crescimento e Programa Bolsa Família.
Desenvolvimento e desigualdades regionais: uma análise a partir da população brasileira adulta com educação superior completa
Andre de Holanda Padilha Vieira, Carolina Zuccarelli e Gabriela Honorato
Resumo: Neste artigo, considerando as recentes políticas de expansão e interiorização da educação superior no país, analisamos a desigualdade regional no acesso ao diploma de graduação na população adulta (25 anos ou mais) no Brasil na década de 2010. Buscamos responder em que medida a expansão das oportunidades na educação superior foi capaz de estreitar as disparidades inter e intrarregionais no acesso a um diploma. Com base nos dados da PNAD Contínua, descrevemos as desigualdades de sexo, raça/cor, renda domiciliar per capita e área do domicílio (capital e interior) entre as grandes regiões de 2012 a 2019. Os resultados indicam um processo de intensificação das disparidades no acesso a um diploma de graduação, sobretudo por renda domiciliar e área do domicílio, o que representa não apenas um desafio para políticas de expansão deste nível de ensino, como para políticas de desenvolvimento regional.
Palavras-chave: desenvolvimento; desigualdades regionais; educação superior.
Un clásico latinoamericano: políticas sin capacidades. Las reformas de salud en Argentina y Brasil durante la década de 1990
Guillermo Alonso e Valentina Suárez Baldo
Resumen: No es infrecuente en nuestra región la frustración de políticas como consecuencia de los déficits de las capacidades estatales necesarias para alcanzar sus objetivos. Los casos de las políticas de salud en Argentina y Brasil desde fines de los años ochenta, aunque recorriendo distintos senderos, nos ilustran sobre este reiterado problema. En el plano de la política de salud ambos países enfrentaron desafíos distintos: en Brasil llegaba el momento de pasar de la formulación a la implementación de la reforma universalista triunfante en 1988. En Argentina, en cambio, se inauguraba una etapa de iniciativas específicas para cada sector en que se divide el sistema de salud: desregulación para el seguro social y descentralización para el sistema público de salud. Nuestro propósito es mostrar, sin embargo, que ambos casos compartieron a la hora de implementar los cambios un mismo tipo de problema, que en cierta medida limitaría o distorsionaría los objetivos iniciales de las políticas; esto es, los déficits de capacidades estatales. Además, buscaremos responder cuánto de ello se pudo deber a la contingencia de la crisis fiscal, a restricciones institucionales o a la orientación predominante de las respectivas coaliciones de gobierno.
Palabras-Clave: Reformas sanitarias; Capacidades estatales; Argentina; Brasil.
Controle social sobre os recursos públicos, accountability e desenvolvimento: o papel dos conselhos locais
Rosane Cristina Feu
Resumo: Os Conselhos Escola Comunidade são espaços políticos institucionalizados no contexto da descentralização de recursos do governo federal para as escolas, visando a ampliação de processos decisórios horizontalizados e da accountability pública. Buscando perceber como se dão os processos políticos de controle social e accountability por meio desses conselhos, realizamos: uma discussão teórica acerca da descentralização; a análise dos dados produzidos a partir de entrevistas e questionários dirigidos aos conselheiros, bem como atas e processos de prestação de contas de onze conselhos de escolas municipais em Niterói (RJ). Apesar de formação semelhante, o funcionamento dos conselhos apresenta diferenças em relação ao controle social, à gestão democrática da escola e à accountability. Essas diferenças justificam-se pelo papel diferenciador das instituições que se relacionam intimamente com fatores locacionais. Percebemos exemplos de conselhos que, como espaços políticos, têm cumprido seu papel de intermediação entre o Estado e a sociedade e propiciado a aprendizagem política.
Palavras-chaves: Conselhos Escola Comunidade; espaço político; controle social; accountability pública.
Cooperativismos: pluralidade do modelo organizacional brasileiro
Jean Carlos Mendes da Rocha e Luis Miguel Luzio-dos-Santos
Resumo: Este artigo tem como objetivo compreender o cooperativismo brasileiro à luz da sua pluralidade organizacional. Sob o mesmo “guarda-chuva” conceitual se expressam distintas e até conflitantes formas de atuação, o que fica particularmente evidenciado ao se analisar as relações de poder e as formas de participação. A pesquisa foi definida como qualitativa-descritiva, estabelecendo como lócus o contexto do cooperativismo brasileiro, com especial relevo para as cooperativas paranaenses. Foram selecionadas quatro cooperativas, uma para cada um dos modelos identificados e definidos no estudo. Na coleta de dados, utilizou-se entrevistas e análise de documentos. Já as análises, foram realizas através do método de análise de conteúdo de Bardin. Como resultado, destaca-se que, apesar das cooperativas analisadas fazerem parte do mesmo marco jurídico-conceitual, as diferenças entre elas são significativas e até conflitantes, o que demonstra a pertinência do debate e o esforço em propor uma categorização capaz de acolher a heterogeneidade do setor.
Palavras-chave: cooperativismo; cooperativismo no Brasil; modelos cooperativos; Brasil.
A Meta 11 de Aichi da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB): avanços e retrocessos em políticas públicas de proteção da natureza no Brasil, à luz da cobertura jornalística
Elizabeth de Oliveira, Marta de Azevedo Irving, Marcelo Augusto Gurguel de Lima e Graciella Faico Ferreira
Resumo: No âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, em 2010 foi pactuado o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020, no qual se inserem as 20 Metas de Aichi, que estabelecem diretrizes com esse objetivo. Partindo desses antecedentes, o objetivo do artigo foi mapear e descrever, criticamente, avanços e retrocessos em políticas públicas no Brasil, com relação à Meta 11, dirigida às áreas protegidas, por meio da cobertura jornalística, entre 2017 e 2018, período paradigmático, em termos de transição política e inflexão da pauta socioambiental. Para tal, a pesquisa de cunho qualitativo partiu de levantamento bibliográfico e documental, além do mapeamento em 42 mídias digitais brasileiras. Alguns avanços foram alcançados, mas foram mais significativos os retrocessos dessa agenda no período, sendo evidentes os inúmeros riscos e incertezas com relação a essa pauta estratégica, no contexto de um país de megadiversidade biológica como o Brasil.
Palavras-chave: Convenção sobre Diversidade Biológica, políticas públicas, Metas de Aichi, cobertura jornalística.